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Os Meus Nobel

Aqui encontra informação sobre a vida e a obra de grandes escritores, galardoados com o Prémio Nobel de Literatura ou não, minhas recensões de livros, textos de minha autoria e notícias literárias

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Uma cana de pesca para o meu avô

Vibarao, 07.04.22

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Comentário ao livro “Uma Cana de Pesca Para o Meu Avô” de Gao Xingjian

 Este livro é uma coletânea de seis contos escolhidos pelo próprio autor. O conto com o mesmo título, que dá o nome ao livro, é o penúltimo. Todos os seis contos são pequenas histórias aparentemente sem lógica, integradas na corrente do absurdo, estilo que o autor copiou de Beckett e de Ionesco, cujas obras ele traduziu para chinês.

Gao Xingjian nasceu em 1940 e cresceu sob o domínio do regime comunista da China. Começou a escrever desde muito novo, mas queimou todos os seus manuscritos, quando foi instaurada a Revolução Cultural de Mao Tsé-Tung, o que não o livrou de ser internado vários anos num campo de reeducação. Depois da morte de Mao, continuou a fazer traduções e a escrever contos e peças de teatro que foram representadas com muito êxito em Pequim, até serem proibidas pelo governo chinês. Conseguiu sair da China em 1987 e estabeleceu-se como refugiado em Paris, vindo mais tarde a adquirir a nacionalidade francesa.

 

Com muita surpresa, foi galardoado com o Prémio Nobel de Literatura em 2000, porque era um ilustre desconhecido internacionalmente. Das poucas obras que tinha publicado em França, destaca-se o romance “A Montanha da Alma” que tinha começado a escrever ainda na China e é hoje considerado a sua obra prima; tinha também publicado pouco tempo antes o romance “Le Livre d'un homme seul”, cuja personagem principal é decalcada na vida do próprio autor. Depois do Prémio Nobel, a sua obra ganhou notoriedade e os seus livros estão publicados nas principais línguas do mundo. As suas peças de teatro estão também a ser levadas à cena em vários países com muito sucesso.

Esta coletânea de contos tinha sido publicada em 1997 e foi o seu primeiro livro traduzido em Portugal em 2001. No ano seguinte, a Dom Quixote publicou também “A Montanha da Alma”. Ao que julgo, não há mais nenhum livro de Gao Xingjian editado no nosso país.

O primeiro conto deste livro intitula-se “O Templo” e é a história de um jovem casal que, nos poucos dias de lua de mel que lhe foram concedidos, visitaram por acaso um templo desconhecido perdido num local ignoto e ali tiveram um encontro improvável com uma criança e um primo mais velho que o queria adotar como filho.

O seguinte é “O Acidente” que narra o caso de um homem que morreu num acidente rodoviário, mas conseguiu salvar o filho que transportava consigo na bicicleta. Fica a dúvida se não se lançou propositadamente para a frente do carro que o atingiu.

Em “A Cãibra”, vivemos o drama de um nadador que luta com uma cãibra: será que vai conseguir chegar à praia e salvar-se?

“Num Parque” conta a tragédia de uma jovem que tem um encontro marcado num parque, mas o seu apaixonado não aparece; acaba por ter uma conversa com um casal que veio ao parque para recordar a sua paixão de infância, mas a vida levou por caminhos diferentes. Este conto é bastante autobiográfico, porque aquele homem teve um percurso de vida semelhante ao do autor.

“Uma Cana de Pesca Para o Meu Avô” é o mais conhecido dos seis contos e conta a aventura de um citadino que, num acesso de saudade do seu avô que o levava à pesca quando era criança, comprou uma cana, mas, quando chegou a casa, viu que não tinha onde a guardar, o que gerou algum atrito com a esposa; no serão, enquanto a família se deliciava a ver na TV a final do Campeonato do Mundo de Futebol e gritavam por Maradona, ele sonhava ir à sua velha aldeia (que já era uma cidade) levar a cana ao avô (que já tinha morrido) e irem pescar ao lago (que já não existia). Deliciei-me com a forma como o autor construiu a história, intercalando os sonhos do protagonista com os gritos de entusiasmo pelo futebol, que ele quase não ouvia.

O último conto denominado “Instantâneos” é um conjunto de pequenos flashes aparentemente sem qualquer ligação; através deles, várias histórias vão sendo contadas em paralelo, as quais se vão interligando e, no fim, se vão relacionar. É interessante a forma como a leitura se assemelha ao bater do coração e a ansiedade vai crescendo flash a flash até um colapso final. Pelo menos foi essa a sensação que tive.

"Uma Cana de Pesca Para o Meu Avô" é um livro pequeno com pouco mais de cem páginas, que se lê com muito prazer e nos introduz na escrita de Gao Xingjian, abrindo caminho para o desejo de ler a sua obra maior que é “A Montanha da Alma”.

 

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