Uma breve carta para um longo adeus
Comentário ao livro “UMA BREVE CARTA PARA UM LONGO ADEUS” de Peter Handke
De Peter Handke, li até agora os livros “Os belos dias de Aranjuez”, “A angústia do guarda-redes antes do penalty”, “Um adeus mais que perfeito” e “Uma breve carta para um longo adeus” e todos eles são perfeitos exemplos dos temas desenvolvidos na generalidade dos seus livros: solidão, alienação, angústia, violência e hipocrisia social, que assombram quase todas as suas obras.
Tive dificuldade em escolher qual destas obras iria comentar. “Os belos dias de Arranjuez” é uma peça de teatro em um ato, na qual dialoga um homem com uma mulher que já não são novos sobre a vida sexual dela, como quem fala para se livrar de um tema que a angustia. “A angústia do guarda-redes antes do penalty” é uma novela, na qual um miserável que foi um famoso guarda-redes perora sobre a angústia que o guarda-redes sente no último segundo antes da marcação de um penalty, sem se decidir sobre o lado para o qual o adversário vai marcar desta vez; conhece-o e sabe para onde costuma marcar, mas não sabe se ele, por saber que ele sabe isso, vai marcar como costuma ou não. “Um adeus mais que perfeito” é uma novela bastante autobiográfica, na qual o narrador fala do suicídio da sua mãe, que pôs fim à vida da mesma forma como fez a mãe do autor; aqui aparece plasmada a alienação, a solidão e outros sentimentos que vamos encontrar no livro de que vou falar em seguida.
“Uma breve carta para um longo adeus” é o perfeito exemplo dos temas habituais de Peter Handke. Narra a história de um casal de austríacos, cujo relacionamento está em crise. Estão agora nos Estados Unidos da América e, num dia, quando ele chegou ao hotel, encontrou uma muito breve carta da esposa, onde dizia simplesmente: “Estou em Nova Iorque. Por favor não me procures, não seria bom encontrares-me”. Ele recebeu a missiva com uma aparente tranquilidade, como se fosse um assunto que não lhe dissesse respeito. Inicia, então, uma longa demanda que o leva a percorrer os EUA de uma ponta à outra. Encontra velhos conhecidos, conhece novas pessoas, enfrenta os mais variados contratempos, anda de hotel em hotel, sempre um passo atrás dela. Encontram-se finalmente na Califórnia, quando já ambos tinham gastado todo o seu dinheiro e nada mais lhes restava. Na sua demanda, os contactos que vai estabelecendo acabam por atenuar a sua angústia, dar algum sentido para a sua vida, atenuar a sua solidão, observar como não era o único infeliz neste mundo. O que ele mais teve dificuldade em contornar, foi a sua sensação constante de que tudo o que lhe estava a acontecer não era com ele; sentia-se como um observador externo a ver a tragédia do seu duplo, de alguém igual a ele. Aceitava tudo com um desprendimento que confrange o leitor.
Mas não é de espantar esta maneira de escrever de Peter Handke, se conhecermos como foi a sua vida, sobretudo até atingir a idade adulta. Filho natural de um soldado alemão que violou a sua mãe durante a Segunda Guerra Mundial, adotado por outro alemão que aceitou casar-se com ela, mas se tornou um alcoólico depois da guerra e maltratava a mulher e os filhos, acabando ele tuberculoso num sanatório e ela a cometer suicídio. Terá aprendido a fingir que a sua vida não era sua, o que está espelhado na sua obra.
Peter Handke frequentou um seminário jesuíta e teve formação em Direito, mas não completou o curso. No entanto, a sua escrita reflete essa formação. O seu estilo é quase telegráfico, com frases curtas, sem floreados de estilo, condensando muita informação em poucas linhas. Por isso, os seus livros são geralmente curtos, mas de grande densidade, requerendo bastante atenção na sua leitura.
Desde que venceu o Prémio Nobel de Literatura, têm sido publicadas em Portugal muitas obras de Peter Handke pela Relógio D’Água, pelo que é fácil encontrar obras suas em qualquer livraria.