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Os Meus Nobel

Aqui encontra informação sobre a vida e a obra de grandes escritores, galardoados com o Prémio Nobel de Literatura ou não, minhas recensões de livros, textos de minha autoria e notícias literárias

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Paraíso

Vibarao, 03.10.22

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Comentário ao livro “PARAÍSO” de Abdulrazak Gurnah

O título deste romance é irónico, pois a história é tudo menos um paraíso para os seus protagonistas. A ação acontece entre 1900 e 1914 na África Oriental colonial e concentra-se em Yusuf, que é entregue aos 12 anos pelo seu pai, a um certo Aziz, como garantia das dívidas que tem vindo a acumular para com ele e não pode pagar. O pai de Yusuf dirige um pequeno hotel numa modesta cidade situada à beira da linha de caminho de ferro que os alemães estão a acabar de construir, para ligar o litoral ao interior. Mas a clientela é cada vez menor e a família está a ficar na miséria.

Yusuf vem, portanto, da pequena burguesia árabe empobrecida, um tipo de personagens muito comum na obra de Gurnah, à qual ele próprio pertencia. Natural da ilha de Zanzibar, teve de fugir para Inglaterra quando a ilha se torna independente dos colonizadores britânicos e a maioria negra toma conta do poder e começa a perseguir as minorias árabes e indianas que dominavam o comércio da ilha há vários séculos.

Aziz explora grandes armazéns numa cidade do litoral, onde vende as suas preciosidades aos colonialistas ingleses. Yusuf trabalha ao longo dos anos para Aziz sem salário, como se fosse um escravo, e nunca frequenta a escola. Mas não é o único adolescente que chega às mãos de Aziz desta maneira. Khalil, alguns anos mais velho, está na mesma situação e torna-se o seu melhor amigo e conselheiro, além de companheiro de trabalho e de diversão.

Aziz faz grandes expedições ao interior do continente africano, acompanhado de grandes escoltas de carregadores e de guardas. Utiliza pequenos comerciantes, como os pais de Yusuf, como entrepostos nos locais por onde passa. Negoceia também diretamente com os indígenas, trocando dentes de elefante, ouro, pedras preciosas, etc. por umas bugigangas com as quais engana os pobres negros.

Aziz afeiçoa-se ao garoto, que o trata por “tio”, e protege-o. Apesar da relação de dependência, Yusuf experimenta uma certa segurança na relação com o seu patrão. Quando chega a jovem, Aziz leva-o nas suas caravanas comerciais e, assim, Yusuf conhece uma África marcada por guerras tribais, superstições e doenças. Ouve contar que os alemães se estão a espalhar pela zona e a destruir brutalmente a organização tribal, para instalar fazendas.

Na sua última viagem, encontram grandes mudanças. “Em todos os lugares aonde eles foram agora, encontraram os europeus que tinham chegado antes deles, e tinham instalado soldados e oficiais (…) Os comerciantes falavam dos europeus com espanto, assombrados pela sua ferocidade e impiedade. Eles tomam a melhor terra sem pagar uma conta, forçam o povo a trabalhar para eles por um truque ou outro (…) Impostos para isto, impostos para aquilo, senão prisão para o infrator, ou o chicote, ou mesmo enforcamento”. A viagem corre muito mal e Aziz não consegue sequer ganhar para as despesas e só com muita sorte conseguem escapar com vida.

Tal como Khalil, Yusuf não sabe como se libertar de Aziz, que está a ficar cada vez mais pobre. Vem a saber que os seus pais estão mortos e também daí não pode esperar ajuda. Será que vai aguentar a vida rotineira e miserável que o espera? Um dia, chega à cidade uma tropa de alemães a capturar jovens para usarem como askaris (carregadores) nas suas expedições ao interior, cujo comércio eles agora dominam.

Yusuf observa os acontecimentos pelas frinchas das portas trancadas da loja e lembra-se de, nas suas expedições comerciais, ter testemunhado a violência dos alemães contra o seu próprio povo. Como vai ele reagir? Não digo. Mas vai tomar uma decisão ousada e muito controversa.

Nota: “Vidas Seguintes” é uma espécie de sequela de “Paraíso”, que vale a pena ler em seguida. A Primeira Guerra Mundial está quase a começar e o papel dos alemães na zona vai sofrer uma drástica alteração.

 

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