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Os Meus Nobel

Aqui encontra informação sobre a vida e a obra de grandes escritores, galardoados com o Prémio Nobel de Literatura ou não, minhas recensões de livros, textos de minha autoria e notícias literárias

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Palmeiras Bravas - Rio Velho

Vibarao, 10.09.22

Palmeiras Bravas Rio Velho.jpg

Comentário ao livro “PALMEIRAS BRAVAS – RIO VELHO” de William Faulkner

Esta edição é muito importante, porque apresenta este livro tal como foi escrito por William Faulkner e editado em 1939. Apresenta duas histórias em paralelo, alternado cada capítulo de uma com um capítulo da outra, até ao desenlace de ambas. Infelizmente, em Portugal e noutros países, foram separadas e publicadas de forma independe, retirando à obra um aspeto muito importante. Na minha opinião e, certamente, também na do autor, não são tão independentes uma da outra como pode parecer à primeira vista.

No caso de Portugal, “Palmeiras Bravas” foi editado pela Portugália Editora em 1951 e “Rio Velho” foi editado pela mesma editora em 1963, com o título “O Homem e o Rio”. As traduções eram de pessoas diferentes e, ao que penso, traduzidas de edições já separadas. Esta nova edição recupera a tradução de “Palmeiras Bravas” que havia sido feita pelo saudoso Jorge de Sena e “Rio Velho” tem nova tradução, agora de Ana Maria Chaves. Também o magnífico prefácio de Jorge de Sena a “Palmeiras Bravas” é reproduzido nesta edição da Dom Quixote.

Posta esta explicação, vamos ao livro. A história de “Rio Velho” passa-se em 1927, por ocasião da grande cheia no Mississipi. Para ajudar no combate às consequências da catástrofe, nomeadamente à localização e salvamento das inúmeras pessoas em risco de afogamento, foram mobilizados os prisioneiros da colónia penal do Mississipi. Espalhados pelo rio em botes, alguns aproveitaram para fugir, outros naufragaram e foram dados como desaparecidos. Foi o que aconteceu a um prisioneiro ainda jovem que tinha sido condenado a quinze anos de presídio por assalto ao comboio correio. Mas ele não morreu. Salvou uma mulher grávida prestes a dar à luz e foi protagonista de uma epopeia em que passou pelos mais variados perigos de morte e fez os maiores sacrifícios, mas conseguiu salvá-la, bem como ao bebé que ele ajudou a nascer. Podia ter fugido com a mulher e a criança ou abandoná-los e desaparecer, mas optou por levar a sua tarefa até ao fim e entregar-se, deixando os responsáveis com o dilema de ressuscitar um morto e manter preso alguém cuja pena tinha prescrito por falecimento. A sua honestidade foi ao ponto de preservar e entregar o bote que lhe tinha sido distribuído. Como “recompensa”, a sua pena foi acrescentada em mais dez anos de trabalho forçado.

“Palmeiras Bravas” passa-se cerca de dez anos antes de “Rio Velho” e conta a história de um jovem médico que está a terminar o internato e se apaixona por uma mulher mais velha, casada com um homem poderoso e mãe de dois filhos. Fogem e vão passar os maiores sacrifícios, sempre vigiados por um detetive enviado pelo marido abandonado. Curiosamente, o marido pactua com a situação, só exigindo que ele a trate bem; caso contrário, irá obrigá-la a voltar para casa. Porém, ela engravida, situação que não deseja de forma alguma e o amante vai ser obrigado por ela a provocar-lhe o aborto. Mas a operação corre mal e ela morre. O amante é julgado a condenado a trabalhos forçados numa colónia penal. O viúvo procura abafar o caso, chegando a tentar convencer o rival a suicidar-se. Mas este tudo recusa e aceita de bom grado o seu castigo.

As duas histórias têm muito de semelhante. Não fosse o caso de as causas da condenação serem diferentes, diria que estamos perante o mesmo protagonista, com o intervalo de dez anos. Antes de mais, ambas têm como protagonistas homens que foram condenados legalmente, mas por motivos que poderíamos considerar moralmente justificados: um médico que faz um aborto em obediência do desejo de uma mulher que não aceita ter aquele filho, pelas consequências que traria, entre as quais não ter condições para o criar; um adolescente que assalta um comboio, não por dinheiro, mas por vaidade, impressionado pelos livros policiais, onde os assaltos a comboios acabavam sempre bem e o ensinaram erradamente a planear um assalto real. Depois vemos como esses criminosos eram, afinal, pessoas tão honestas que reconhecem os seus erros, aceitam as suas penas e nada fazem para as evitar. Em compensação, circulam à sua volta outras personagens que são vilões, mas a sociedade considera boas pessoas e as louva.

Este tipo de histórias é típico da escrita de William Faulkner. A localização nas margens do Mississipi é também uma constante na sua obra. Além disso, as personagens vivem situações desesperadas, há uma contradição entre a sua perceção pela sociedade e a sua verdadeira índole, gerando situações caricatas, mesmo ridículas. Há pontos de vista que mudam inesperadamente, deixando o leitor por vezes um pouco desorientado.

Mas uma das mais marcadas especificidades da sua escrita é a técnica conhecida por “fluxo de consciência”, bem evidente neste livro. Esta técnica caracteriza-se por longos períodos que chegam a atingir páginas inteiras ou mesmo diversas páginas, por vezes com pontuação irregular, intercaladas por trechos entre parênteses ou entre travessões. Esta característica exige uma grande concentração do leitor e a sua fixação em pormenores que lhe permitam recentrar o seu pensamento, quando, dez ou vinte ou mais linhas depois, regressa a uma ideia que ficou em suspenso no meio daquele fluxo de ideias encadeadas.

Apesar de serem histórias tristes e de as dificuldades criadas pelo estilo do autor poderem dificultar a leitura e desanimar alguns leitores, este e os restantes livros de Faulkner são obras de grande qualidade literária e de muita humanidade, que merecem o esforço da sua leitura.

 

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