PALAVRAS DETURPADAS
Sou uma pessoa preocupada com a pureza da linguagem falada ou escrita. Podem chamar-me "fanático" ou “picuinhas", que não me importo. Uma das impurezas que me tiram do sério é o mau uso de muitas palavras, às quais é dado um significado que não têm. Seguem alguns exemplos.
Público
Quando, há alguns anos, o Presidente da República vetou uma Lei que proibia a entrada de operadores privados no capital de uma empresa estatal de transportes urbanos, alguém criticou esse veto, afirmando que essa Lei pretendia concretizar uma situação que existia de facto, pois, sendo “transportes públicos”, não podiam pertencer a “privados”.
Será que essa pessoa sabe o significado da palavra “público”? O que queremos dizer, quando afirmamos que algo é “público” ou é “privado”? “Público” é o que é de todos ou que está acessível a todos; “privado” é o que não é “público”.
No sentido dado à palavra “público” por este cidadão, os táxis deviam pertencer ao Estado, pois também são “transportes públicos”. Os cafés, restaurantes e centros comerciais também deviam ser do Estado, porque são “lugares públicos”, onde qualquer um pode entrar sem pedir autorização. No limite, todos os lugares de livre entrada deviam ser obrigatoriamente do Estado, simplesmente porque não são “privados”.
Oficial
Outra palavra que se presta às maiores deturpações é “oficial”. O termo original latino significa que “oficial” é uma pessoa às ordens de um magistrado. É o caso do oficial de diligências ou o escrivão judicial; em sentido mais lato, poderia chamar-se “oficial” à generalidade dos chamados ‘funcionários públicos’, pois estão às ordens de um ministro ou outro representante do Estado.
Mais difícil é a utilização da palavra na esfera militar: porquê só um militar acima de sargento ou guarda-marinha é um “oficial”? Parece-me que foi uma apropriação indevida da palavra, à falta de melhor para distinguir as funções superiores das inferiores. Mas seria de pensar noutra mais adequada.
A palavra “oficial” usa-se também para designar algo que vincula, que emana do detentor do poder legítimo, algo que é fidedigno. São exemplos: “Nota Oficial”; “Comunicado Oficial”; “Apresentação Oficial”; “Abertura Oficial”. Nesta situação, seria muito mais correto dizer simplesmente “Nota”, “Comunicado”, “Apresentação”, “Inauguração”, etc., como “Nota do Ministério X”, “Apresentação do livro Y”, “Inauguração das novas instalações de Z”, etc.
Revolucionário
“Revolução” e “revolucionário” também costumam ser palavras entendidas de uma maneira redutora, quando aplicadas à política. Ao falar em “revolucionário”, geralmente pensa-se em alguém que é de esquerda, quanto mais da esquerda radical mais “revolucionário”. Mas, no verdadeiro significado da palavra, “revolucionário” é aquele que combate a ordem estabelecida e a organização social vigente, seja conotada com a chamada direita ou a chamada esquerda do espetro político.
Por vezes, até há quem só considere verdadeiramente revolucionário quem procura impor um novo regime pela força das armas, o que também não é correto, pois pode haver revoluções pacíficas ou mesmo passivas (veja-se o caso de Gandhi).
Neste sentido, também, por exemplo, o movimento do 28 de maio de 1926 que levou Salazar ao poder, foi uma “revolução” e os seus membros eram “revolucionários” em relação ao tipo de República que vigorava na época. Aliás, foi chamado na altura "Revolução Nacional". Autointitulou-se depois “Estado Novo”, mas seria mais correto chamar-lhe 2ª República. Pela mesma razão, chamamos “revolução” ao golpe militar do 25 de Abril, apesar de não ter sido disparado um único tiro, e chamamos bem, porque veio implantar o regime democrático e acabar com o velho “Estado Novo”; também podemos chamar-lhe 3ª República.