Os Intérpretes
Comentário ao livro “OS INTÉRPRETES” de Wole Soyinka
Wole Soyinka foi o primeiro negro a ser galardoado com o Prémio Nobel da Literatura. O primeiro e único galardoado anterior nascido no continente africano foi Albert Camus que era branco. Depois dele, só outro africano negro venceu o Prémio Nobel de Literatura, Abdulrazak Gurnah, o mais recente galardoado. Wole Soyinka foi, essencialmente, dramaturgo, mas também escreveu três romances, sendo “Os Intérpretes” o primeiro deles e, ao que julgo, a sua única obra editada em Portugal. Foi editado pelas Edições 70 logo após a sua edição original, mais de 20 anos antes de o autor vencer o Prémio Nobel de Literatura.
Neste romance, seis intelectuais nigerianos que foram colegas de escola e, agora com atividades diferentes, continuam a ser amigos e a encontrar-se regularmente e a conviver. São todos pessoas cultas com licenciaturas ou até doutoramentos, mas em áreas diferentes. Um deles é Sagoe, jornalista freelancer recentemente vindos Estados Unidos, que tem um relacionamento com a única personagem do sexo feminino que integra o núcleo central do romance, Dehinwa. Outro é Bandele, um professor universitário. Egbo trabalha no Foreign Office e é uma espécie de sacerdote da religião tribal, cujo pai era sacerdote e morreu afogado, assim como a mãe, quando ele tinha quatro anos. Kola é pintor e passa o tempo a desenhar em tudo o que seja papel, a começar pelos guardanapos. Sekoni, que é muçulmano e muito gago, é engenheiro e teve um alto cargo numa grande empresa estatal, mas foi despedido por ser demasiado honesto e não alinhar nas tramoias do diretor da empresa, dedicando-se agora à escultura. O sexto é Lasunwon, um advogado próximo das cúpulas políticas e, como tal, o mais sorumbático, cauteloso e bastante pessimista.
Este grupo de amigos encontra-se frequentemente nos bares, nas casas uns dos outros ou nos seus locais de trabalho. Fazem passeios em conjunto e conversam muito. Vamos, assim, conhecendo ao longo da história o seu passado e o seu presente. Eles procuram “interpretar-se” mutuamente e “interpretar” a sociedade do seu país. A história é cheia de incidentes, que ajudam o leitor a conhecê-los e eles próprios a conhecerem-se mutuamente. Egbo tem crises de ansiedade em que acredita que lhe vai ser possível encontrar-se com os seus pais, por intervenção dos seus deuses; os outros acompanham-no nas suas viagens ao local onde eles se afogaram e apoiam-no. Kola anda a pintar uma tela gigantesca, na qual pretende representar o panteão dos deuses tradicionais da sua tribo; para o efeito, procura encontrar pessoas dos mais variados tipos que lhe possam servir de modelos para cada deus. Sekoni, que os outros tratavam por Sheikh, vive obcecado por esculpir uma figura em madeira a que chama “Lutador”. Consegue fazê-la e recusa-se a vendê-la a um rico americano, apesar da chantagem que este faz. Acaba por morrer de acidente, mas o seu “Lutador” é exposto em conjunto com o “Panteão” de Kola, como era desejo de ambos.
Paralelamente a esta história dos protagonistas, são intercaladas cenas que estes vivem com outras personagens, nas quais o autor faz profundas críticas à sociedade nigeriana da época, geralmente irónicas e sempre hilariantes, mas com aquele “sorriso amarelo” que denuncia os podres daqueles que detêm o poder e dos que giram à sua volta.
A obra de Soyinka é considerada um pouco difícil, tendo sido comparada à de Joyce e de Faulkner. Na verdade, parece às vezes que o autor cortou parágrafos, de forma que a narrativa dá saltos inesperados que baralham um pouco o leitor. A maior dificuldade é no início, quando ainda não sabemos quase nada dos personagens e o texto se desenrola como se já soubéssemos tudo. Aconselho a ter à mão a caracterização de cada um deles que deixo no início do comentário, porque vai ajudar a entrar melhor na leitura. Mas já li obras bem mais difíceis de ler.