O Riso
Comentário ao livro “O Riso” de Henri Bergson
Este livro é muito importante para conhecermos o pensamento de Henri Bergson, um filósofo francês de finais do século XIX e inícios do século XX, uma época muito importante no aspeto científico e filosófico. O autor começa por afirmar que o riso é um exclusivo da espécie humana, do ser pensante. Nenhum outro animal se ri do que vê ou sente. Só o ser humano é capaz de apreciar, de criticar, de ridicularizar. É nesta base que demonstra e conclui que só o ser humano pode influenciar a evolução social através das suas reações ao que está fora de si.
A obra de Henri Bergson centra-se na relação entre ciência e filosofia, ou, por outras palavras, entre o físico e o metafísico. Hergson teve uma grande polémica com Einstein acerca da teoria da relatividade restrita, sobretudo no aspeto da duração e da simultaneidade dos acontecimentos. Para Bergson, não há uma linha contínua no tempo, mas sim uma sucessão de momentos, cuja duração é variável de mente para mente. Por exemplo, um filme é uma sucessão de imagens fixas com um determinado espaço temporal entre elas que o espetador vê como um acontecimento contínuo. É a “duração” desse intervalo na mente de quem vê o filme que vai determinar o seu tempo. Se estivéssemos a ver o filme numa nave a altíssima velocidade, os fotogramas seriam os mesmos, mas o nosso cérebro encontraria cada intervalo entre as imagens muito mais comprido.
Para Bergson, a tónica deve ser posta na forma como intuímos os acontecimentos, na “intuição da duração”, que está na base de todo o seu pensamento filosófico. Portanto, não é o real que dá forma ao pensamento, mas o pensamento que determina a forma como percecionamos a realidade. Esta teoria está muito explícita neste ensaio, “O Riso”.
Como bom filósofo, o autor analisa o riso sob várias facetas, cada uma desenvolvida em sua parte do livro. Na primeira parte, mostra como há coisas na natureza que nos fazem rir, como o formato insólito de uma pedra ou de uma árvore; o comportamento anormal de um animal ou de uma estrutura, como um baloiço partido, por exemplo.
Na segunda parte, fala de atos ou situações praticadas por outras pessoas que não são comuns ou não são próprias de quem as pratica: rimo-nos, por exemplo, de alguém que anda na rua vestido completamente fora de moda. Mas a mesma situação poderá parecer-nos risível ou não, consoante a pessoa ou a circunstância: no Carnaval, rimo-nos do disfarce e não da pessoa que o usa. Não nos rimos da forma como a Rainha de Inglaterra se apresenta em público, mas já nos rimos se for a sua nora Meghan Markle a vestir-se da mesma forma.
Na terceira parte, o autor analisa o teatro cómico e começa por dizer que é muito mais fácil escrever tragédias do que comédias, ou seja, um autor dramático terá muito mais facilidade em conceber uma peça para fazer chorar os espetadores do que para os fazer sorrir. Centra-se nos vários estratagemas usados pelos autores de peças ou sketches cómicos. Podem ser situações, trocadilhos, palavras deturpadas ou expressões fora de contexto. Mas também podem ser gestos, uma forma de fazer rir usada, por exemplo, pelos palhaços.
No final, Henri Bergson mostra como podemos achar risível o que ele chama “cómico do caráter”. Podemos rir-nos, por exemplo, das ideias fixas de um louco, dos gestos efeminados de um gay, de um político corrupto, da pessoa que vemos chamar “filho” ao seu animal de companhia e de muitas outras formas de ser ou estar na vida que podem provocar o riso de quem pensa de outra forma.
Mas o mais importante deste livro, na minha opinião, é o papel que o autor atribui à função do riso na evolução da sociedade. O tema da evolução das espécies era muito pertinente na época em que Bergson viveu, dado que Darwin tinha desenvolvido a sua teoria no século XIX. Aqui, Bergson fala da evolução mental da espécie humana e considera o riso fundamental para essa evolução desde o início dos tempos. É através da reação à ridicularização dos parâmetros da sociedade que esta se vai modificando.
Na atualidade, o riso tem, na minha opinião, um papel importantíssimo, mais do que nunca: basta ver o que se passa nas redes sociais, onde toda a gente se acha livre para criticar aquilo com que não concorda ou, pelo contrário, para apoiar coisas com que não concorda com medo de ser achincalhado. É também através dos meios de comunicação social que se formata o sentido que se pretende dar à evolução social, predominantemente através da ridicularização da posição dos que pensam de outra forma. Vejam-se os exemplos de Trump, Bolsonaro ou Maduro, para não falar dos políticos nacionais. Por alguma razão o Twitter é hoje a montra onde os políticos mundiais se exibem.
Outro caso muito atual que parece vir dar razão a Henri Bergson: Volodymyr Zelensky. Será que teria chegado a ser eleito presidente da Ucrânia, se não tivesse representado esse papel na ficção, de uma forma que galvanizou a população do seu país? Como pôde um "palhaço" sem qualquer experiência política suplantar claramente os políticos profissionais? Ainda estaremos para ver as consequências da sua eleição e do seu papel na condução da resistência à invasão russa. Talvez a sua chegada ao poder tenha mudado a geopolítica na Europa e, quem sabe, no mundo. Que papel pode vir a ter no futuro da humanidade sobre a Terra? Especulação?! Talvez...