O AGITADOR - Parábolas do nosso tempo (6)
Naquele tempo…
“Aquele que dissimula o seu ódio, sob aparências fingidas, verá a sua malícia descoberta na assembleia pública. Quem abre uma fossa, cairá nela; e a pedra cairá sobre aquele que a rolou.” (Prov. 26, 26-27).
No nosso tempo…
Naquela empresa tudo corria bem. Os acionistas estavam felizes, porque os dividendos eram elevados. Os colaboradores estavam felizes, porque viam os seus esforços recompensados todos os anos com generosas participações nos lucros da empresa. O CEO era estimado por todos, apesar de dirigir a empresa com mão de ferro, pois bem conhecia quem era empenhado e dava o seu melhor e quem se limitava a cumprir escrupulosamente os horários, mas pouco ou nada produzia. Os mais competentes eram promovidos aos postos de chefia e os diretores eram recrutados, de preferência, entre os colaboradores de excelência da empresa; quando não se encontrava dentro da empresa quem reunisse as condições adequadas, eram recrutados no exterior, mediante concursos transparentes e justos.
Mas ninguém consegue agradar a todos e o CEO também tinha o seu pequeno grupo de inimigos dentro da empresa que, embora dissimuladamente, vinham minando a sua credibilidade. Este grupo era constituído pelos colaboradores que menos davam à empresa, mas se sentiam injustiçados por verem outros mais novos e com poucos anos de casa treparem e os ultrapassarem, apanhando os lugares de chefia que eles julgavam ser seus de direito. Reuniam-se no café após o horário de saída e, entre duas cervejas e umas tapas, iam desfilando o seu fel:
– Ó Rui, já viste esta?! Então não consta para aí que é o engraxador do Augusto que vai ocupar o lugar do Juca que se reformou?
– Pois, já me constou. Mas isto não pode ficar assim – respondeu o Próspero.
O trabalho do Próspero na empresa era pouco mais que assinar o ponto à entrada; pouco depois ir à casa de banho; às 10h em ponto ir ao bar tomar o pequeno-almoço, porque de manhã estava sempre enjoado e não conseguia comer nada em casa; no regresso, parava junto à secretária do Augusto com conversas sem interesse e só avançava quando o Augusto lhe dizia:
– Ó Próspero, desculpa, mas a minha vida não é como a tua. O chefe deu-me este relatório urgente para redigir e quere-o pronto até à hora do almoço.
– E tu não lhe disseste que não podia ser? O que é que ele julga?! Que somos máquinas? Havia de ser comigo…
– Podes ter razão, mas é mesmo uma coisa urgente e o que interessa é o bom nome da empresa. O bem da empresa é também o bem todos nós.
– E tu ainda acreditas nisso? Não te poupes e verás como a empresa te quer “bem” no dia em que ficares doente…
De tarde, Próspero fazia o seu coffee break às 15h e às 17h em ponto estava a picar o ponto e fazer a sua transferência para o café, onde tomava uns petiscos regados com umas jolas fresquinhas, na companhia dos amigos do costume, até serem horas de jantar.
– Pois é, Rui. Mas o lambe-botas do Augusto não se pode ficar a rir. Vamos ter de lhe fazer a cama.
– Dizes bem, Próspero, mas não podemos fazer nada contra aqueles engraçadinhos que a sabem toda e só falta lamberem as mãos ao diretor e deitarem-se-lhe aos pés, como faz o meu cão.
– Achas que não? Deixa comigo. Vocês só têm de ficar ao meu lado, quando a bronca rebentar.
No dia seguinte, começou a campanha de difamação do Augusto. Próspero começou por lançar uma série de mentiras e meias-verdades sobre a idoneidade do Augusto e este recusou o lugar quando lhe foi oferecido, acabando este por ser dado a um indivíduo sem o mínimo de condições para o ocupar. Foi mais um aliado de Próspero, que não deixou de lhe mostrar como não tinha chegado ali sem a ajuda dele.
A teia foi-se desenrolando e, pouco a pouco, a incompetência foi tomando conta dos lugares-chave da empresa. Instalou-se um clima de suspeição e um mal-estar que fez baixar a produtividade. Quando os lucros afundaram, o Conselho de Administração não teve outra opção senão dar uma “chicotada psicológica”, como se diz na gíria futebolística, e o CEO foi despedido.
Mas a nova gestão não veio resolver o momento negativo da empresa. As ações afundaram cada vez mais na Bolsa e o fecho revelou-se a única solução. O pessoal foi todo para o desemprego. O Sindicato não conseguiu mais do que o Subsídio de Desemprego para todos. Não houve dinheiro para pagar indemnizações.
– Então Próspero, e agora? Achas que foi boa ideia? Onde vamos arranjar novo emprego nesta idade? – diz o Rui à mesa do café, diante de uma imperial para cada um, mas sem petiscos.
– Não vai ser fácil, mas haveis de arranjar algo, ainda que não seja grande coisa. Pior estou eu. Despedido com justa causa, não vou conseguir arranjar nada – respondeu Próspero. – Mas o importante é que aqueles canalhas não se ficaram a rir de nós! – concluiu e saiu sem pagar a conta.