Lisboa Noir: O Ano Negro de 1929
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"Lisboa Noir: O Ano Negro de 1929" de Luís Corte Real
"Lisboa Noir: O Ano Negro de 1929" é uma distopia que mergulha o leitor na atmosfera densa, misteriosa e opressiva de uma Lisboa alternativa no ano de 1929, um ano marcante da História. Baseada na hipótese de D. Miguel e os absolutistas terem ganhado as guerras liberais em Portugal, combina elementos do romance policial, do fantástico e do horror com elementos históricos, fundindo História real com História ficcionada. Desta forma, o autor constrói um retrato vívido de um Portugal diferente daquele que o país viveu, mas nem por isso menos marcado pelas inquietações políticas, sociais e culturais na época.
O ano de 1929 foi um ano de instabilidade política e económica, tanto nacional como internacional. Basta dizer que foi o ano da instauração do Estado Novo em Portugal, com todas as suas consequências, foi o ano em que Estaline, recentemente alcandorado ao poder na Rússia, estava a consolidar as suas políticas opressivas, foi o ano em que Hitler começou a consolidar o domínio do Partido Nacional Socialista que o levaria ao poder na Alemanha e foi o ano em que se começou a agudizar a Grande Depressão nos Estados Unidos da América, que mergulhou o país na sua maior crise de sempre. Corte Real utiliza como pano de fundo estes grandes acontecimentos, para contar uma história de crime, corrupção e decadência. A narrativa centra-se num detetive muito peculiar em todos os sentidos, numa inesperada escritora de pulp fiction e numa jornalista sagaz, cujas vidas se entrecruzam, criando um enredo repleto de suspense e reviravoltas, na sua denúncia de um regime absolutista, corrupto e socialmente injusto.
Um dos grandes méritos do livro reside na minuciosa construção de Lisboa no ano de 1929, baseada não só no pressuposto distópico do tema, mas também nos eventos nacionais e internacionais da época. O autor descreve com precisão os bairros miseráveis e os salões aristocráticos, as ruas sombrias e os cafés animados, os imaginativos meios de transporte que interligavam não só as várias regiões do País, mas também as colónias do vasto Império lusitano, transportando o leitor para um universo onde cada detalhe contribui para a construção da atmosfera noir. Surge-nos uma Lisboa viva, pulsante, mas, ao mesmo tempo, ameaçadora, virada para uma margem sul transformada no vazadouro de toda a sordidez do Império.
A escrita de Luís Corte Real é marcada por uma linguagem rica e fluida, com diálogos bem construídos e descrições que reforçam o tom sombrio do romance. O autor utiliza nos diálogos expressões prototípicas dos personagens em confronto, não se inibindo de usar calão e outros termos fortes, o que enriquece a autenticidade da narrativa. O ritmo é rápido, mas bem doseado, alternando momentos de tensão com passagens mais introspetivas, o que mantém o interesse do leitor ao longo de toda a obra.
Para além do mistério próprio da literatura policial, "Lisboa Noir: O Ano Negro de 1929" aborda temas universais como a corrupção, o poder, a desigualdade social e o impacto das crises económicas sobre a vida das pessoas. Convida-nos também a refletir sobre o papel da imprensa, da justiça e das instituições públicas em períodos de grande incerteza, mostrando como os dilemas vividos em 1929 continuam a ser relevantes nos dias de hoje.
"Lisboa Noir: O Ano Negro de 1929" é uma leitura recomendada para quem aprecia romances históricos e policiais, para quem gosta de espraiar a sua imaginação com um bom fantástico e uma distopia possível, mas também para quem deseja compreender melhor uma época que foi crucial na história portuguesa, europeia e mundial. Luís Corte Real oferece ao leitor não só um enredo cativante, mas também um olhar crítico e sensível sobre a cidade e o país, consolidando cada vez mais o seu papel de escritor do fantástico no panorama literário português.