Homens de Milho
Comentário ao livro “HOMENS DE MILHO” de Miguel Ángel Asturias
Miguel Ángel Asturias é um escritor da Guatelama, que foi galardoado com o Prémio Nobel de Literatura de 1967. Na sua obra, ocupa-se especialmente de dois temas: a denúncia das atrocidades dos sucessivos ditadores que dominaram a política no seu país; e as tradições, lendas e costumes dos povos indígenas da Guatemala e países limítrofes, especialmente do México e das Honduras, o território dos povos índios pré-colombianos da região, os Maias.
Este livro, geralmente considerado a obra-prima de Miguel Ángel Asturias, insere-se no segundo grupo, os que tratam temas da mitologia indígena. O estilo utilizado pelo autor, usual neste grupo de obras, é conhecido por realismo fantástico, sendo “Homens de Milho” um dos romances típicos deste estilo. A história descreve a rebelião de um grupo de índios que é dizimado pelo exército, ao tentar defender a sua montanha sagrada.
Cada um dos seis capítulos centra-se numa personagem, à volta da qual gira um grupo de personagens e situações, todas elas no limite entre a realidade e a fantasia. Torna-se difícil ao leitor separar o que é real do que é produto das lendas, tradições e mitos que condicionam as reações dos intervenientes.
O milho é um cereal de crucial importância na economia dos indígenas daquela região da América. Aliás, o milho terá começado a ser cultivado pelos Maias há milhares de anos. Por isso, não admira que o milho esteja no centro de toda a trama deste romance. Certamente reprodução de lenda local, afirma-se no livro que o homem nasceu do milho, como bem retrata a ilustração da capa.
Podemos imaginar o que foi para aquela população verem as suas florestas serem queimadas pelos colonialistas para instalar produções intensivas. Para o povo local, o milho é um cereal sagrado, digno de todo o respeito, diria quase de adoração. As famílias cultivaram-no para ocorrer à sua subsistência e na estrita medida das suas necessidades. O milho é um cereal muito versátil e pode ser comido tenro, em pão ou na culinária, em bolos ou papas, por exemplo. Haver alguém que o plantasse não para seu consumo, mas para daí tirar lucro era um sacrilégio que, como tal, justificava tudo o que pudesse ser feito para repor a ordem natural das coisas, segundo a sua conceção. Por isso, enquanto os invasores brancos queimavam florestas milenares para aí fazer plantações, os indígenas queimavam-lhes os milheirais, quando as folhas (que eles chamavam “orelhas de coelhos amarelos”) começavam a secar.
A trama do romance gira à volta de Gaspar Ilóm, um herói que lutou contra os colonizadores espanhóis e se tornou um mito para os outros resistentes e também para os seus inimigos, os “maiceros”, ou seja, os produtores de milho, e para a “montaria”, a tropa enviada para proteger os agricultores, que era comandada pelo coronel Gonzalo Godoy. Pelo meio, aparecem outras personagens inesquecíveis, como a família Tecún que matou a sangue frio toda a família dos Zacatón, por ordem do curandeiro das Sete-Roças, que era pessoa e veado; a Maria Tecún que fugiu de casa com os filhos e se dizia viver no alto do monte, de onde precipitava os homens que a procuravam e se tornou lenda, assim como Goyo Yic, o pai dos seus filhos, que era cego e correu meio mundo a chamar por ela, a tentar reconhecê-la pela voz; o carteiro Nicho Aquino que as pessoas diziam transformar-se em coiote quando corria os campos com o seu saco da correspondência às costas, cujo mulher fugiu e se tornou em mais uma “tecuna”, nome que passou a alcunhar todas as mulheres que deixavam o lar.
Romance típico do realismo mágico, Miguel Ángel Asturias mistura em “Homens de Milho” a linguagem e o ritmo da sua prosa com a linguagem e o ritmo do povo que retrata, as suas crenças fantásticas, as suas antigas maneiras e os seus costumes. Um livro imperdível!
Miguel Ángel Asturias licenciou-se em Direito na Universidade da Guatemala com uma tese sobre os direitos dos índios e tirou mais tarde em Paris uma pós-graduação em Antropologia, na qual tomou contacto com a tradução francesa dos livros sagrados dos Maias. Dedicou a sua vida a lutar pela causa dos índios e a continuar a oposição dos seus pais à ditadura, que os forçou a mudar-se para uma pequena aldeia no interior do país, onde ele fez a escola primária e se relacionou com a população local. Devido à frequente alternância de presidentes democratas e de ditadores no poder, a sua situação mudava, estando na política ativa ou tendo de exilar-se, pelo que a sua vida não foi fácil.