Gente Independente
Comentário ao livro “GENTE INDEPENDENTE” de Halldór Laxness
Em boa hora a Cavalo de Ferro decidiu editar as principais obras de Harldór Laxness, injustamente inéditas em Portugal. E, muito justamente, começou por esta extraordinária saga que é “Gente Independente”. Editou depois num só volume a trilogia “O Sino da Islândia” e, finalmente, “Os Peixes Também Sabem Cantar”.
“Gente Independente” é um conjunto de dois livros publicados em Portugal num só volume, cujo tema é a vida dos criadores de ovelhas explorados. A história tem lugar na Islândia no início do século XX e narra o percurso de vida de Bjärtur, um modesto trabalhador agrícola que, num ato arrojado, compra a prestações uma propriedade abandonada, que ninguém queria, por causa de acontecimentos do passado que a ligam a fantasmas e acontecimentos estranhos. Corajosamente, vai ultrapassar isso tudo e conseguir pagá-la e tornar-se um proprietário, apesar das superstições e de tudo o que de negativo lhe foi acontecendo, como mortes, abandonos, pestes, traições e cataclismos naturais.
É verdade que se trata de um livro enorme, que tem uma redação um pouco ao estilo de Saramago e exige muita concentração na leitura. O discurso direto não é precedido de travessão, nem entre aspas, como preferem alguns autores, o que exige uma leitura mais atenta. No entanto, é uma história corrida, sem recuos ao passado, em que os acontecimentos se vão sucedendo cronologicamente, o que facilita a compreensão do texto.
Mas devorei este livro, porque me fez recuar à minha infância, vivida nos descampados gelados da Beira Baixa durante o inverno. Bjärtur, o herói deste romance, começou por me lembrar o meu avô paterno que, um pouco irresponsavelmente, adquiriu uma vasta propriedade, que não tinha forma de pagar, mas tudo acabou por se resolver com a ajuda da família. Bjärtur é também o decalque perfeito do meu pai: um criador de ovelhas, rude, com veia de poeta, teimoso, mas de uma honestidade a toda a prova. Também ele trabalhou para proprietários de terras durante mais de uma dezena de anos, até se tornar agricultor independente, primeiro como rendeiro e mais tarde como proprietário; também a sua família viveu pobremente para poder satisfazer os seus compromissos; também ele pôs muitas vezes a sobrevivência das suas ovelhas à frente do bem-estar da mulher e dos filhos. Mas era assim a vida dos pequenos agricultores, naqueles tempos difíceis.
“Gente Independente” é uma história épica, de resiliência, de vontade inquebrantável. Bjärtur é um exemplo para quem sonha sair da pobreza e ser alguém na vida. Gostei muito e recomendo vivamente a sua leitura.