Coração

"Coração" de Edmondo De Amicis
"Coração" é uma das obras mais emblemáticas da literatura infantojuvenil italiana, tendo conquistado gerações de leitores em todo o mundo. Apresentado sob a forma de diário de um jovem estudante de 11 anos, Enrico Bottini, transporta o leitor para o quotidiano de uma escola primária em Turim, numa Itália recém-unificada.
Formado por uma coletânea de pequenos textos, a narrativa desenrola-se ao longo de um ano letivo, entre outubro e julho, acompanhando o crescimento emocional, intelectual e moral de Enrico, o narrador. De Amicis explica na introdução que Enrico construiu um diário ao longo do ano, mas o texto foi fixado no final do ano pelo seu pai que era engenheiro e escritor. O diário de Enrico é complementado por pequenas histórias mensais, escritas pelo professor, que retratam exemplos de bravura e bondade de crianças das várias regiões de Itália. Estes contos, conhecidos como "Histórias Mensais", são, por si só, pequenas joias literárias, espelhando os valores de solidariedade, patriotismo e altruísmo. O maior desses contos ocupa cerca de 40 páginas, chama-se “Dos Apeninos aos Andes” e narra a épica viagem de uma criança que se deslocou à Argentina em busca da sua mãe emigrante que deixou de dar notícias.
"Coração" aborda temas universais, como a amizade, o respeito pelos pais e pelos professores, a empatia para com os mais frágeis, a importância do trabalho e do esforço, e o amor à pátria. De Amicis constrói personagens que, apesar do contexto histórico ser diferente, continuam a ressoar junto do leitor contemporâneo. A diversidade social das crianças da turma de Enrico permite ao autor ilustrar, de forma subtil, as desigualdades sociais e a necessidade de compreensão e inclusão.
Apesar de muito apreciado, a tal ponto que, em poucos meses após a publicação em 1886, foram ultrapassados quarenta tipos diferentes de edições e dezenas de traduções para línguas estrangeiras, “Coração” foi também criticado pela Igreja Católica pela falta de referências à religião num povo tão religioso como o italiano, que considerava o amor a Deus tão importante como o amor à Pátria que De Amicis exaltava.
“Coração” foi, durante décadas, um livro de leitura obrigatória nas escolas italianas e, em muitos países, tornou-se símbolo de uma pedagogia sentimental. A obra reflete a preocupação do autor com a formação do caráter, transmitindo, através de exemplos, valores éticos e cívicos. No entanto, a visão do autor pode hoje parecer algo paternalista ou idealista, especialmente pela ênfase na obediência e na disciplina, características da época em que foi escrita.
O estilo de De Amicis é simples, direto e tocante, adequado ao público jovem, mas capaz de sensibilizar também os adultos. O autor utiliza uma linguagem acessível, mas rica em emoção e detalhes, conseguindo criar empatia entre o leitor e os personagens. As descrições dos sentimentos de Enrico e das situações do quotidiano escolar são de uma autenticidade notável, tornando a leitura envolvente.
Apesar de ter sido escrito há mais de um século, "Coração" mantém-se atual pela sua abordagem dos valores humanos e pela reflexão sobre o papel da escola e da família na educação das crianças. É um livro que convida à introspeção e ao diálogo intergeracional, sendo frequentemente redescoberto por pais, professores e jovens leitores. Algumas passagens podem soar datadas à luz dos valores atuais, mas a essência da mensagem — a importância do respeito, da bondade e da solidariedade — permanece universal.
Concluindo: "Coração" é uma obra intemporal, que merece ser lida e relida, não só pelo seu valor literário, mas também pelo testemunho histórico e humano que encerra. É um convite à reflexão sobre o que significa crescer, aprender e ser solidário, num mundo em constante mudança. Recomendo vivamente a sua leitura, tanto a jovens como a adultos, como fonte de inspiração e de compreensão do outro.