Beloved
Comentário ao livro “BELOVED” de Toni Morrison
Toni Morrison foi a primeira mulher negra a ser galardoada com o Prémio Nobel de Literatura e os seus livros versam, sobretudo, os problemas das mulheres negras americanas no tempo da escravatura e depois da abolição desta. É o caso de “Beloved”, considerado a sua obra-prima.
O esqueleto da ação de “Beloved” situa-se nos primeiros tempos após a Guerra da Secessão e a abolição da escravatura nos Estados Unidos da América. Conta a história de Sethe, uma ex-escrava que, trinta anos depois, continua a ser assombrada pelo passado. Mas aquilo que mais me impressionou e me agarrou nesta leitura foram os flashbacks ao passado, ao tempo da sua escravidão.
Pormenorizando, sem querer revelar muito, diria o seguinte. Sethe era uma escrava que fugiu da plantação do seu dono depois de levar uma brutal sova, quando estava grávida e próxima do parto. Foi juntar-se aos filhos que já tinham fugido e estavam a viver com a avó, uma velha escrava liberta, cuja vida e as circunstâncias da sua libertação vão adorar ler. Claro que foi imediatamente desencadeada a sua caça.
Perante a iminência de ser capturada, optou por matar os seus quatro filhos, para não serem sujeitos à horrível situação de escravos. Eram dois rapazinhos, uma menina de cerca de um ano e a recém-nascida, que nasceu durante a fuga. Mas só morreu a mais velha das duas filhas. Os rapazes ficaram muito maltratados, mas sobreviveram, assim como a bebé, porque foi retirada das mãos da mãe quando esta ia lançá-la contra a parede. Sethe parecia enlouquecida, os filhos pareciam todos mortos, exceto a bebé. O dono desistiu de levar a escrava, pois já não tinha préstimo para trabalhar e a bebé de nada lhe servia sem a mãe. Ficou assim toda a família livre. Mas Sethe foi presa pelas autoridades e acusada de assassínio. Depois de cumprir a pena, regressou a casa, com a filha, agora com 13 anos. Claro que isto é só o centro da narrativa, porque há muito mais para ler.
A menina morta, cujo nome nunca foi referido e só diziam “já gatinha?” quando se referiam a ela, foi sepultada e, quando Sethe regressou da prisão, mandou colocar na sua campa uma pedra com a simples inscrição “Beloved”. A memória da sua morte violenta vai assombrar a mãe e a irmã ao longo do tempo, de uma forma que vai sendo desenvolvida lentamente do início ao fim do romance. A trama é muito bem desenvolvida. Por alguma razão é considerado a obra-prima de Morrison. Esteve 25 semanas no top de vendas, recebeu os mais elevados prémios e foi considerado o melhor romance americano dos últimos 25 anos pelo The New York Times.
A escrita de Morrison neste livro exige bastante concentração, porque está permanentemente a saltar do presente para o passado, e vice-versa. Mas essa forma de narração não vai impedir o leitor de seguir a história e, no final, ficar com o puzzle montado corretamente na sua mente. É uma história angustiante que não aconselho a pessoas muito impressionáveis. Mas vale muito a pena lê-la pelas informações que nos são transmitidas sobre a vida dos escravos nas plantações do sul dos Estados Unidos.
Para terminar, queria referir um pormenor do livro que é elucidativo do que era ser escravo e que foi aquilo que, de todos os horrores narrados, mais me impressionou neste livro. Os escravos eram tratados como gado, tal como um rebanho de ovelhas ou uma manada de vacas. As escravas eram usadas como parideiras de novos escravos, desde a primeira menstruação até terminar a idade fértil. Os escravos eram usados como reprodutores; os mais fortes eram acasalados com as escravas, para gerarem futuros bons trabalhadores; os melhores, para além de fecundarem as escravas da casa, eram alugados a outros fazendeiros que pagavam bem pelo seu trabalho.
Estava a ler e a lembrar-me do grande touro do Senhor Visconde lá da minha aldeia, onde os pequenos agricultores levavam as suas vacas para serem “cobertas” e pagavam uma taxa pelo ato. Ainda era criança quando acompanhei o meu pai num dia em que levou a nossa vaca leiteira ao touro do Senhor Visconde. A situação repugnou-me na altura e agora contribuiu para que me repugnasse ainda mais o que li neste livro sobre os escravos alugados como reprodutores.