As Viagens de Gulliver
As Viagens de Gulliver de Jonathan Swift
“As Viagens de Gulliver” é uma obra-prima da literatura do século XVIII, que mistura viagem, aventura e fantasia.
Jonathan Swift começou a trabalhar nesta sua obra-prima em 1720. Publicado pela primeira vez em novembro de 1726, foi um sucesso imediato, com um total de três impressões naquele ano e outra no início de 1727. Traduções francesas, alemãs e holandesas apareceram em 1727, tornando-se um dos clássicos da literatura universal.
"As Viagens de Gulliver" é um romance irónico, com o qual Swift pretendia mostrar a sua aversão à sociedade inglesa. Por exemplo, o episódio em que o gigante Gulliver apaga o fogo do palácio real de Lilliput, urinando para cima dele, pode ser visto como uma metáfora para o tratado de paz ilegal dos tories, que fizeram uma coisa boa, mas de uma maneira infeliz que lhes custou o poder.
Mas é mais do que uma sátira aos Whigs, recriados nos anões de Lilliput. É uma inventiva mordaz contra a humanidade em geral, onde Swift recompõe o mundo de acordo com a sua crítica e a sua ácida fantasia.
O grotesco é explorado sob todos os ângulos: na pequenez desprezível dos liliputianos, na ampliação escatológica da miséria física dos gigantes de Brobdingnag, muito grandes mas pouco dotados, nas diatribes ferozes contra os juristas e contra a arte militar e na idiotice dos intelectuais de Laputa.
Considerado um clássico da literatura juvenil, é, na minha opinião, uma obra para todas as idades, pela sua crítica mordaz à sociedade do seu tempo, assim como aos defeitos das pessoas, o que o torna uma obra sempre atual.
Alerto os leitores para que, a partir deste ponto, a recensão apresenta spoilers.
Estrutura: o livro está dividido em 4 partes, antecedidas de um curto preâmbulo onde Lemuel Gulliver dá um breve resumo da sua vida antes de iniciar estas viagens.
Parte I: Uma Viagem a Lilliput
4 de maio de 1699 – 13 de abril de 1702
Durante esta primeira viagem, após escapar de um naufrágio, Gulliver é capturado por uma raça de pessoas minúsculas, com menos de 15 centímetros de altura, que são os habitantes da ilha de Lilliput. Torna-se um favorito da corte local e o rei dá-lhe permissão para andar pela cidade, desde que não pise os seus súbditos.
Então Gulliver observa que os Lilliputianos são um povo que gosta de exibir autoridade e poder, e propenso a dar grande ênfase a questões triviais. Por exemplo, qual o lado de um ovo que uma pessoa deve quebrar para o abrir, torna-se a base de uma divisão política profunda dentro da nação. Gulliver ajuda-os a subjugar os seus vizinhos da ilha de Blefuscu roubando-lhe os seus navios minúsculos, mas depois recusa-se a transformar Blefuscu numa província de Lilliput, o que desagrada ao rei e à sua corte.
Gulliver é acusado de traição, declarado culpado e condenado a ficar cego. Então, foge para Blefuscu, onde encontra um barco abandonado, no qual navega até ser avistado por um navio que o leva para Inglaterra.
Parte II: Uma Viagem a Brobdingnag
20 de junho de 1702 – 3 de junho de 1706
Viciado nas viagens, Gulliver volta a embarcar poucos meses depois. Quando o seu navio se perde devido a uma tempestade e é forçado a navegar para uma terra desconhecida na costa oeste da América do Norte para obter água doce, Gulliver é abandonado pela tripulação.
Então começa a caminhar para tentar encontrar índios, mas verifica que a relva é tão alta como uma árvore. Um agricultor com cerca de 22 metros de altura encontra-o e fica muito admirado de ver um bicho tão pequeno a falar e leva-o para casa, onde a sua filha Glumdalclitch cuida dele. Para ele, Gulliver é uma curiosidade e começa a exibi-lo nas feiras para ganhar dinheiro. As exibições constantes deixam Gulliver doente e o fazendeiro vende-o à rainha de Brobdingnag que contrata Glumdalclitch, para continuar a cuidar do pequenote. Ordena que construam uma casinha, ao género de uma gaiola para pássaros, onde o levam nos seus passeios.
Gulliver discute o estado da Europa com o rei de Brobdingnag e apercebe-se dos erros que há no seu sistema político. Numa viagem à praia, a sua caixa é roubada por uma águia gigante, que a larga no mar, onde Gulliver é resgatado por marinheiros, que o levam de volta à Inglaterra.
Parte III: Uma Viagem a Laputa, Balnibarbi, Luggnagg, Glubbdubdrib e Japão
5 de agosto de 1706 – 16 de abril de 1710
Dois meses depois, Gulliver volta para o mar e o seu navio é atacado por piratas que o abandonam numa ilha rochosa. É resgatado pela ilha voadora de Laputa, uma espécie de terra plana, que é um reino devotado às artes musicais, matemáticas e astronómicas, mas cujos habitantes são incapazes de as usar para fins práticos. Ali reside a classe dominante que atira pedras sobre as cidades do território fixo.
Gulliver pede para ser descido em Balnibarbi, um território governado por Laputa, e vê os estragos causados nos campos e nas construções pela busca cega da ciência sem obter resultados práticos, uma sátira clara contra a burocracia, bem como a Royal Society e as suas experiências infrutíferas. Na cidade de Lagado, em Balnibarbi, visita a Grande Academia e verifica como são gastos muitos recursos e mão de obra em experiências completamente absurdas. Então Gulliver vai para Maldonada, o principal porto de Balnibarbi, para tentar encontrar um barco que possa levá-lo ao Japão.
Como o próximo barco demora um mês, Gulliver é convidado a visitar, enquanto espera, a ilha de Glubbdubdrib, a sudoeste de Balnibarbi, onde se encontra com um mago com o poder de chamar os mortos à vida e Gulliver tem a oportunidade de discutir história com os fantasmas de Júlio César, Bruto, Homero, Aristóteles, René Descartes e outros.
De regresso a Maldonada, embarca para a ilha de Luggnagg, onde passa por várias peripécias e encontra os struldbrugs, uma pequena parte da população, que são imortais. Mas não têm o dom da juventude eterna e apanham todas as doenças da velhice, sendo considerados legalmente mortos ao completarem 80 anos, pelo que a eternidade é um fardo para eles.
Gulliver chega finalmente ao Japão, de onde volta para casa num barco holandês, determinado a nunca mais voltar ao mar.
Parte IV: Uma Viagem ao país dos Houyhnhnms
7 de setembro de 1710 – 2 de julho de 1715
Apesar de suas boas intenções, Gulliver volta ao mar poucos meses depois, como capitão de um navio mercante. Devido à morte de vários membros da sua tripulação, é forçado a contratar pessoal novo nas Antilhas. Mas os novos tripulantes são, na sua maioria, ex-piratas, que convencem o resto da tripulação a amotinar-se. Depois de terem prendido Gulliver durante algum tempo, resolvem deixá-lo na primeira terra que encontram e continuam a sua viagem a fazer pirataria. Gulliver começa a explorar a ilha e encontra uma raça de criaturas humanoides selvagens e deformadas, pelas quais ganha uma grande antipatia. De seguida, encontra os Houyhnhnms, uma raça de cavalos falantes, que são os governantes, enquanto os humanoides, a que chamam Yahoos, são os seus animais domésticos.
Gulliver passa a morar na casa de um dos Houyhnhnms e começa a admirar e imitar o seu estilo de vida e a ter cada vez maior rejeição pela humanidade que, como os Yahoos, usa apenas as suas capacidades para exacerbar os vícios que lhe foram dados pela natureza. Porém, uma Assembleia de Houyhnhnms decreta que Gulliver é um perigo para a sua civilização, por o considerarem um Yahoo inteligente, e expulsam-no. Consegue construir uma jangada, onde navega até que é resgatado por um navio português, que o traz de volta a Inglaterra. Mas ele vem tão traumatizado que se torna um recluso na sua própria casa, evitando os contactos com os humanos, a começar pela sua esposa e filhos, e passando várias horas por dia a conversar com os seus cavalos.
Sabemos, pela introdução, que demorou cerca de 5 anos a recuperar a sanidade e só então resolveu começar a escrever as suas memórias, embora duvidando que alguém o acreditasse.
“As Viagens de Gulliver” é um dos livros mais adaptados de sempre, seja para vários tipos de música, desde a clássica à de vanguarda, seja para cinema, televisão e rádio, banda desenhada e filmes de animação.