A Sibila
A Sibila de Agustina Bessa-Luís
“A Sibila” foi um dos primeiros romances de Agustina Bessa-Luís e aquele que lhe deu fama. É uma história em que as protagonistas são mulheres, mas não tem uma conotação feminista. Situa-se no meio rural de entre Douro e Minho onde o machismo impera, mas as mulheres parecem aceitar este status-quo como inevitável e uma coisa natural. As mulheres aceitam resignadamente as prepotências praticadas pelos seus homens, tentam remediar os abusos destes e o seu desinteresse pela educação dos filhos, aceitando a sua situação de mães como uma fatalidade da sua condição de mulheres. É um cenário bem conhecido da autora, pois é a região onde Agustina nasceu e viveu a sua infância e princípios da juventude.
Há, no entanto, uma mulher que sai destes parâmetros, embora compreenda e aceite tudo o que as outras mulheres aceitam, com duas exceções: não aceita viver sob o domínio de um homem, casando; e assume o papel de se substituir aos homens, fazendo o que eles deviam fazer como chefes da família e não fazem, nomeadamente o seu pai. Essa mulher é Quina, a sibila, como é reconhecida no meio em que vive.
O romance abrange um período de cerca de um século e três gerações de uma família. Quina é filha de Francisco Teixeira e da sua esposa Maria da Conceição, sempre chamada simplesmente por Maria. Francisco é um pinga-amor e um gastador, muito mais velho do que a esposa; passa a vida de arraial em arraial, chega a estar vários dias fora de casa e vai delapidando os bens que herdou. Maria tudo suporta com o argumento de que “os homens são assim, que se há de fazer”. Os filhos vão nascendo; Estina e Quina são as mais velhas de cinco irmãos, sendo os mais novos todos rapazes. O pai, com todos os seus defeitos, é meigo para os filhos, sendo Quina a sua preferida. Esta é uma criança rebelde e de trato não muito fácil.
Estina casa com Inácio Lucas e vai morar em Morouços, a propriedade do marido. Mas este tem um feitio muito difícil e irascível, trata-a com rudeza e acaba por provocar a morte dos seus dois filhos, um com uma sessão de pancada de que não mais se restabeleceu e o outro com uma pneumonia causada por uma constipação que não foi curada, porque o pai o obrigou a levantar-se e apanhar frio. Pouco a pouco, os outros irmãos vão casando e deixando a Vessada, a casa da família. Quina é a única que não se casa, embora não lhe faltem pretendentes, nomeadamente Adão que se resigna a ser rejeitado, mas nunca vai deixar de a amar.
Entretanto, Quina amadurece com as dificuldades impostas pela vida e toma sobre si a resolução de reconquistar a passada glória da família. Quando o pai morre, fica sozinha com a sua mãe Maria, que viverá até para lá dos 90 anos de idade. Quina torna-se muito sabedora da vida, impõe respeito aos seus quinteiros e criados; é admirada por toda a gente, ricos e pobres, que lhe começam a chamar “sibila”, mercê das suas opiniões sensatas e a sua capacidade de gestão. No entanto, não é um anjo de doçura: lá por dentro, continua a ser a criança rebelde e não é fácil de se deixar enganar. Assim, pouco a pouco, vai reconquistando os antigos bens da família e até ampliando o seu património.
No final da vida, quando já era uma velhinha de cabelos brancos, só lhe vai restar um herdeiro capaz, a sua sobrinha Germa, filha de Abel, o seu irmão mais novo. Este é muito ganancioso e tenta alertar a filha para os seus direitos à herança, especialmente contra Custódio, um rapazinho órfão que Quina tinha recolhido e criado, acabando por ganhar grande afeição por ele. Mas Custódio não era trabalhador e fazia lembrar a Quina alguns dos defeitos do seu pai.
Quando vê Quina à beira da morte, Custódio começa a pensar que, morrendo Quina, vai ficar abandonado, a não ser que a convença a nomeá-lo seu herdeiro. Mas o apelo do sangue fala mais alto e Quina vai nomear sua universal herdeira a sua sobrinha Germa; a Custódio deixa o usufruto de duas propriedades, cujo rendimento chega para ele viver com dignidade; no entanto, ele não aproveita a generosidade de Quina e a sua vida não vai acabar bem.
O romance começa e acaba três anos depois da morte de Quina com Germa na casa da Vessada a baloiçar-se na velha rocking-chair preferida de Quina; embora continue a ser uma menina da cidade, está mais madura, a ganhar amor pela vida no campo e a revelar-se a digna herdeira e continuadora da obra de sua tia.
Pelo que fica dito, é fácil concluir que Agustina vê em Germa um espelho de si própria. Na verdade, também ela foi estudar na grande cidade, o Porto, mas não conseguiu libertar-se do modo de vida tradicional da sua aldeia natal e da tradição dos seus antepassados.
Pela boca da narradora, que parece ser Germa, a autora critica tanto as figuras masculinas como as femininas: confronta os traços dignos de admiração com os merecedores de reprovação, incluindo na própria Quina. É por isso que, como disse atrás, Agustina não escreve sob um ângulo feminista, não procura mudar a sociedade. Limita-se a fazer uma crónica dos usos e tradições, das regras há muito instituídas.
Este original romance não é psicologista, ao modo dos presencistas, como José Régio por exemplo, nem neorrealista, como os autores comunistas que começaram a manifestar-se a partir dos anos 40, nem sequer existencialista, movimento que estava a dar os seus passos iniciais. É a perfeita prova de que Agustina Bessa-Luís se manteve à margem de escolas literárias, sendo, por isso, uma autora muito original, dificilmente imitável e, ao que julgo, sem continuadores evidentes.