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Os Meus Nobel

Aqui encontra informação sobre a vida e a obra de grandes escritores, galardoados com o Prémio Nobel de Literatura ou não, minhas recensões de livros, textos de minha autoria e notícias literárias

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A ilusão dos cristais

Vibarao, 23.01.23

A ilusão dos cristais.jpg

Pih e Poh passeavam pelo campo, depois de aterrarem a sua nave.

– Não acredito que haja vida neste planeta – afirmou Pih.

– Porque dizes isso? – respondeu Poh.

– É muito simples. Se houvesse vida aqui, a relva devia ser branca e não verde. E estas árvores seriam transparentes e muito menores.

– Depende do ponto de vista. Já pensaste que pode haver aqui um tipo de vida baseado num elemento químico diferente do nosso, como alguns cientistas do nosso planeta especulam? Aliás, como sabes, viemos a este planeta para colher amostras que permitam provar quem tem razão: se os biólogos que afirmam que os seres vivos deste planeta são constituídos à base de oxigénio, se os que afirmam que a sua base é o hidrogénio.

– Certo. – defendeu-se Pih – Então, qual a razão da cor azul que tanto tem intrigado os astrónimos de Bho-hor?

– Visto de lá, o planeta parece azul, mas, como estás a ver, a cor dominante no terreno é o verde. – contrapôs Poh.

– Não o nego, mas, como também podes ver, por cima de nós é azul, não verde.

Assim falavam entre si os dois extraterrestres acabados de chegar à Terra vindos do planeta Bho-hor. Eram seres transparentes, de estrutura cristalina, de tamanho reduzido. Não seriam maiores que um dedo de criança. Eram formados por um conjunto de barrinhas de vidro (pelo menos parecia vidro) acopladas umas às outras, que podiam alterar a sua interação. A forma como se movimentavam resultava dessa interação. Uma barrinha a que poderíamos chamar perna, desligava-se na sua quase totalidade do restante conjunto e avançava no terreno, vindo a parte a que chamaríamos corpo reunir-se-lhe. A sucessão destes gestos provocava o movimento.

Enquanto se iam deslocando, Pih e Poh continuaram a dialogar sobre os seus pontos de vista. Pih era mais observador e começou a notar outras coisas estranhas que o intrigavam.

– Repara que, se prolongares o teu olhar, o verde do terreno passa a azul e, quanto mais longe, mais intenso é o azul – afirmou.

– Tens razão, mas, na minha opinião, não deve passar de uma ilusão ótica – opinou Poh.

E chegaram a um local arenoso sem vegetação.

– Não me parece que seja ilusão ótica – insistiu Pih. – Já viste que o mesmo acontece com a massa líquida que vemos à nossa frente? Junto a nós é transparente, mas, se prolongares o teu olhar, vês um azul cada vez mais intenso, tal como no terreno sólido.

Poh ficou sem palavras. Nada nos seus conhecimentos de navegador espacial lhe permitia apresentar sequer uma hipótese remota para tal efeito que, para si, continuava a não passar de uma ilusão ótica.

– Tem de haver uma explicação. – insistiu Pih, que era o cientista da expedição – Parece-me que ninguém tem razão lá em Boh-hor. Ou talvez todos tenham. Será que os dois elementos, o oxigénio e o hidrogénio, entram ambos na constituição dos seres vivos deste planeta?

*******

Estavam os dois alienígenas a debater esta questão, quando chegaram à areia duas crianças prontas para mergulhar na água fresca da praia fluvial da Barragem do Alqueva, onde passavam férias.

– Olha o que eu achei aqui a brilhar ao sol? – disse Quico, que era o mais novo. – Devem ser dois diamantes.

– Tu nem as pensas! – ripostou Rico, o irmão mais velho. – Se fossem mesmo diamantes, estávamos milionários.

– Vamos mostrar ao pai que de pedras percebe ele. – contrapôs Quico e desatou a correr rumo às árvores, onde o resto da família estava a resguardar-se do sol inclemente de agosto.

– Pai, pai, achámos dois diamantes perdidos à beira da água! – gritou Quico, quase deixando cair as pedras com a precipitação.

– Reparem, – disse o pai, que era professor de físico-química, depois de analisar as pedras com cuidado – o diamante é o mineral mais duro que existe e estas pedras são ligeiramente macias.

Entregou uma delas ao filho mais velho e disse-lhe:

– Raspa a pedra com um canivete e vê o que acontece.

Rico assim fez e verificou que ficou um pouco de pó branco acinzentado na folha do canivete.

– Estás a ver, Quico, como o teu irmão conseguiu riscar a pedra facilmente? – afirmou o pai, mostrando-a ao filho mais novo. – Era capaz de afirmar que estas pedras são um minério de boro, provavelmente a boracite.

– E como podemos confirmar isso? – perguntou Rico, cheio de curiosidade.

– É fácil – respondeu o pai, enquanto deitava um pouco de água num copo. – Agora ponham as pedras dentro da água e vamos esperar algumas horas.

Colocaram as pedras no copo e nunca mais se lembraram delas. Dias depois, encontraram o copo na prateleira do cimo da despensa onde estava guardado para não se entornar e viram que parte das pedras se tinha dissolvido.

– E agora, pai, podemos beber esta água? – perguntou Rico.

– Beber não convém, porque tem um ácido, chamado ácido bórico. Mas essa água boricada pode ser usada pela tua avó para limpar as borbulhas das pernas que as ervas do campo lhe fizeram. Experimentaram e as pernas da avó melhoraram bastante.

*********

Tantos anos depois, os cientistas de Boh-hor continuam à espera do regresso da expedição científica enviada ao misterioso planeta azul.

 

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