A Idade do Ferro
Comentário ao livro “A IDADE DO FERRO” de J.M. Coetzee
Coetzee é um escritor nascido na África do Sul no início dos anos 40 do século passado. Foi criado em plena época de implantação do Apartheid, mas a sua família era da Cidade do Cabo, falava inglês e não apoiava das ideias dos Bóeres, que eram os descendentes de colonos holandeses e os grandes adeptos das teorias da segregação racial. Coetzee nunca se meteu na política e a sua animosidade contra a segregação racial e a situação da população que não era de cor branca, especialmente os negros, revelava-se através das suas obras literárias, que lhe deram grande reconhecimento internacional, numa altura em que a generalidade dos países advogava o fim do Apartheid. É o caso deste romance, escrito ainda na África do Sul, na altura em que o Presidente Frederik de Klerk começou a negociar o fim deste regime.
"A Idade do Ferro" narra a história de uma professora aposentada que toda a vida se opôs ao Apartheid. O marido abandonou-a há muitos anos e a sua única filha emigrou para os Estados Unidos quando era nova, lá casou e teve filhos, nunca mais voltando à África do Sul. Acaba de lhe ser diagnosticado um cancro em último grau e mentaliza-se para morrer. A única pessoa que a ajuda é uma empregada negra que vem todos os dias do bairro miserável onde os negros vivem. Por vezes, traz o filho, um adolescente que começa a tomar consciência da situação do seu povo e a integrar-se na resistência à injustiça do regime imposto pelos brancos à maioria negra. Este traz por vezes um amigo consigo, que a velha professora rapidamente intui ser um membro da resistência. A mãe vive numa aflição constante e a senhora transforma-se numa conselheira para tentar meter juízo nas cabeças daqueles jovens.
Entretanto, aparece um sem-abrigo a dormir no seu quintal. Pouco a pouco, começa a ganhar confiança e fica a morar na arrecadação. À medida que a doença avança, ele acaba por ser o seu apoio para tudo, mas sempre desconfiado, distante e até cruel. Um dia, a empregada não vem e ela logo pensa no pior. Mete-se no seu velho carro que, por vezes, já não pega, e convoca a companhia do sem-abrigo para ir consigo, a fim de empurrar o carro, se for preciso, e vai procurar a empregada. Acaba por se ver envolvida numa ação policial violenta contra os negros da localidade onde a empregada vive. Tudo tenta, mas não consegue evitar uma grande desgraça.
A história é contada sob a forma de carta de despedida para a sua filha ausente, ao jeito de um diário e acaba no dia da sua morte, ao lado do seu único apoio, o sem-abrigo que ela acolheu. Penso não retirar o interesse dos leitores ao desvendar o final, porque a morte era esperada, devido à doença, e o único desfecho lógico. O interesse do leitor e o que vai captar a sua atenção é a evolução e não o fim da história. A degradação gradual da saúde da protagonista e as saudades da filha, embora aceite a sua recusa de vir visitá-la num país aonde não quer voltar, conjugadas com a evolução da sua relação com o sem-abrigo e o seu envolvimento na luta dos negros pela conquista dos seus direitos, descrita na primeira pessoa, é que vão manter o leitor ligado ao livro e puxá-lo para dentro da própria narrativa, à medida que se vai tornando cada vez mais dramática. É preciso ser muito frio e insensível, para conseguir ficar fora desta história de sofrimento, de injustiça, do pior e do melhor que pode haver no coração do ser humano.
A história de Coetzee tem algumas semelhanças com a que descreve neste livro. Foi sempre um crítico do regime e procurou viver o mais tempo que pôde fora da África do Sul. Infelizmente, não conseguiu autorização de residência permanente nos EUA depois de lá fazer o seu Doutoramento e teve de regressar à África do Sul, passando a ser professor na Universidade da Cidade do Cabo, onde lecionou até se aposentar. Finalmente, emigrou em 2002 para a Austrália. Quando foi galardoado com o Prémio Nobel de Literatura de 2003, já vivia em Adelaide, na Austrália, em cuja Universidade ainda deu aulas e mantém um cargo honorário. Em 2006 adotou a nacionalidade australiana e lá continua a viver.