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Os Meus Nobel

Aqui encontra informação sobre a vida e a obra de grandes escritores, galardoados com o Prémio Nobel de Literatura ou não, minhas recensões de livros, textos de minha autoria e notícias literárias

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A Honra Perdida de Katharina Blum

Vibarao, 29.04.22

A Honra Perdida de Katharina Blum.jpg

Comentário ao livro “A Honra Perdida de Katharina Blum” de Heinrich Böll

“A Honra Perdida de Katharina Blum” foi o primeiro livro de Heinrich Böll depois de receber o Prémio Nobel. Foi rapidamente adaptado ao cinema, tendo obtido assinalável êxito. É um pequeno romance que se lê rapidamente, tem um número reduzido de personagens, capítulos muito curtos e uma escrita corrente e fácil de ler. O autor pretendeu neste livro mostrar como qualquer um de nós, por mais honesto, por mais pacífico, por mais humilde e amigo de ajudar os outros que seja, pode ser levado a praticar os mais horríveis crimes, se a sua honra for posta em causa.

 

A história é contemporânea com a data de publicação do livro em 1974 e passa-se por alturas do Carnaval. Katharina Blum é uma mulher jovem com cerca de 27 anos, cuja vida já deu muitas voltas: o pai era muito doente e morreu quando ela era criança, a mãe era “muito instável e por vezes até alcoólica”, o seu irmão mais velho “saíra uma má peça”; para fugir a este ambiente, casou com o primeiro que lhe apareceu “um autêntico lambe-botas” e “um fanfarrão repugnante”, de quem rapidamente se divorciou. Então Katharina mudou-se para a cidade, onde foi apoiada por uma madrinha que a ajudou a arranjar emprego. Ela que já antes de casar tinha trabalhado em restaurantes e cafés, facilmente arranjou emprego como empregada doméstica de um contabilista que veio mais tarde a ser preso, acusado de corrupção, mas imediatamente arranjou novo emprego em casa de um advogado, cuja esposa era arquiteta. Eles gostavam muito dela, porque era trabalhadora, organizada, poupada e tinham total confiança nela. Ajudaram-na a comprar uma casa, tendo-lhe emprestado parte do dinheiro. Como tinha tempo livre, começou a fazer outros trabalhos, chegando a organizar festas por conta própria e ganhou muito dinheiro, com o qual ia amortizando a dívida da casa. Tímida, tinha poucos amigos e passava o tempo livre em casa ou a passear sozinha a pé ou no seu carro que tinha comprado em segunda mão. Enfim, uma pessoa séria e de uma honestidade a toda a prova.

Até que chegou o fatídico Carnaval que deu uma volta total à sua vida. Os patrões resolveram ir passar uns dias numa estância de esqui e deram-lhe férias, que ela decidiu aproveitar para se divertir um pouco, porque a vida não é só trabalho. Começou por ir a um baile de máscaras em casa da sua já atrás referida madrinha, uma solteirona com cerca de 40 anos. E foi aí que tudo começou. Passou o serão a dançar com um indivíduo que não conhecia e apaixonou-se por ele, acabando por levá-lo para sua casa, o que deixou todos de boca aberta, pois era coisa que não se coadunava com o que conheciam dela. Sucede que o dito apaixonado era um bandido que estava a ser seguido pela polícia que, na manhã seguinte, entrou em casa dela para o prender, mas dele não encontrou rasto. Foi detida e longamente interrogada. O caso começou a ser seguido por um jornalista que trabalhava para um famoso jornal de escândalos, o qual, nas suas reportagens diárias, foi deturpando o passado e o presente da vida de Katharina Blum. A polícia não encontrou nada de censurável na sua vida, nem conseguiu provar que o criminoso já fosse seu conhecido e namorado de longa data e, portanto, sua cúmplice. Mas, pressionada pela imprensa e pela opinião pública, a justiça não conseguia manter-se imparcial e a honra de Katharina Blum perdeu-se completamente, coisa que ela não conseguiu encaixar na sua cabeça. Completamente alucinada, atraiu o referido jornalista para sua casa com a promessa de lhe dar uma entrevista e ali o matou a tiro, entregando-se de seguida à polícia.

Dirão os que estão a ler este comentário: pronto já estragaste tudo, ao contar o fim da história. A verdade é que não o fiz, porque o livro começa com ela a entregar-se e a informar que podiam deslocar-se a sua casa, onde encontrariam o corpo.

Aqui é que está a beleza da escrita de Böll. Partindo do desenlace final, vai mostrando ao leitor, pouco a pouco, numa escrita agradável de ler, como foi possível chegar a um tal desfecho. Na verdade, a história de Katharina Blum e a sua “honra perdida” são um pretexto do autor para apontar três malefícios que infestavam a sociedade há perto de 50 anos quando o livro foi publicado e, infelizmente, parece que estão agora ainda piores: o terrorismo, a falibilidade da justiça e o flagelo da imprensa sensacionalista. Lê-se num instantinho e vale bem a pena ler.

Heinrich Böll foi um escritor alemão e uma das mais emblemáticas figuras da literatura alemã do pós-segunda guerra mundial, também chamada “literatura dos escombros”. A Alemanha estava completamente em ruínas física e moralmente; o país tinha acabado de ser dividido em dois, por desentendimento entre a URSS e os países do Ocidente; os seus valores estavam perdidos, o poder estava nas mãos de países estrangeiros, de povos com outras culturas, que os alemães tinham dificuldade em compreender. Assim, os escritores que emergiram nesta amálgama tiveram um papel importante no reerguer deste nobre povo dos escombros em que estava mergulhado.

Heinrich Böll estava bem colocado para desempenhar este papel, pois tinha sido um dos poucos não judeus que resistiram ao nazismo, tinha participado na guerra e sido prisioneiro dos aliados, e foi um ativo membro do partido social-democrata, uma das forças políticas que fizeram a reconstrução e a transformação da Alemanha no influente país que é hoje. Depois de escrever vários livros que, por mostrarem a situação no pós-guerra e contribuírem para fazer renascer a esperança do povo alemão, foi galardoado com o Prémio Nobel de Literatura de 1972, como reconhecimento do seu papel na renovação da literatura alemã.

 

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