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Os Meus Nobel

Aqui encontra informação sobre a vida e a obra de grandes escritores, galardoados com o Prémio Nobel de Literatura ou não, minhas recensões de livros, textos de minha autoria e notícias literárias

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A HISTÓRIA DE UMA SERVA

Vibarao, 27.05.25

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“A HISTÓRIA DE UMA SERVA” de Margaret Atwood

No ano de 2195 realiza-se mais um Simpósio, o 12º, sobre a época da República de Gileade, um regime político-militar de inspiração teocrática que se tinha estabelecido nos EUA há 200 anos. Nesse dia, o orador é um estudioso que baseia a sua apresentação numa história reconstruída por ele e um seu colega, a partir de um conjunto de cassetes de áudio bem conservadas encontradas numa mala. Nessas cassetes, uma mulher conta a sua experiência como “Serva” durante os primeiros anos da República de Gileade. As “servas” eram mulheres comprovadamente férteis utilizadas pelos cabecilhas do regime como autênticas escravas para lhes darem os filhos que as suas legítimas esposas não lhes conseguiam dar. Este relatório é apresentado a jeito de apêndice no final do livro, para explicar como a história chegou aos finais do século XXII.

A República de Gileade era um movimento fundamentalista de inspiração bíblica, cujos membros de intitulavam “Filhos de Jacob”. A razão deste nome vem de Jacob, pai de 12 filhos, os troncos das 12 tribos de Israel. Ele amava Raquel e pediu-a em casamento ao seu pai Labão, mas este obrigou-o a casar com Lia, a filha mais velha. Só sete anos mais tarde lhe consentiu que desposasse também Raquel. Mas Raquel revelou-se estéril e tinha muitos ciúmes da irmã, que deu a Jacob vários filhos. Então serviu-se do estratagema de levar Jacob a engravidar a sua escrava, apropriando-se dos filhos desta como seus.

Margaret Atwood utilizou esta imagem para veicular uma das ideias que estão na base do livro: a baixa da natalidade. Mercê de vários fatores, os nascimentos na época em que este foi escrito estavam a diminuir entre a população caucasiana. Entre esses fatores, basta referir a emancipação feminina, os efeitos da poluição, os casamentos cada vez mais tardios ou a carestia de vida.

Outra ideia que levou à fundação da República de Gileade foi o recrudescimento das doutrinas que pretendem um regresso ao passado, quando as mulheres eram donas de casa e os homens é que ganhavam o dinheiro, os maridos mandavam e as esposas obedeciam e eram-lhes submissas, a principal função da mulher era gerar filhos para o marido e, quando o casal não tinha descendência, a culpa era sempre atribuída à mulher. Pretendem também essas doutrinas a indissolubilidade do matrimónio, a proibição do aborto, o fim da ideologia de género e dos relacionamentos que não entre um homem e uma mulher.

Nesse tempo, a década de 80 do século passado, havia nos EUA o medo da União Soviética e da disseminação das ideias comunistas na América, tanto do Norte, como da América latina. Este medo levou a autora a criar a parte mais ficcional do livro, onde fala de um vírus desenvolvido em laboratório com o fim de ser espalhado nos países da URSS, a fim de provocar a esterilidade na população desses países, mas terá inadvertidamente escapado e contagiado uma grande parte da própria população americana.

 Todos estes pontos desenvolvidos no romance continuam a estar na ordem do dia ainda hoje, razão pela qual este, assim como a série de TV nele baseada, estão a ter um enorme sucesso. Aquilo que era uma distopia, é agora cada vez mais uma realidade.

Sobre o estilo da autora neste livro, penso que uns gostarão muito e outros nem tanto. Margaret Atwood não segue uma linha cronológica. A história é contada em primeira mão por Defred, uma “serva”, que nos narra a sua odisseia. Embora siga mais ou menos uma linha cronológica desde que foi colocada na atual família, que já não é a primeira, vai intercalando recordações, tanto da sua vida de casada e mãe antes de começar a República de Gileade, como do tempo anterior já em Gileade. Fala da filha e do marido, da sua vida com eles e do receio sobre o que lhes terá acontecido quando iam fugir para o Canadá e foram capturados; fala do treino que é dado às mulheres, após a sua captura, para a função a que as querem destinar; no caso das servas que é o seu, fala das sessões de mentalização por mulheres velhas, a que chamam “tias”; fala dos cuidados necessários para não dizer ou fazer algo que as possa comprometer e serem enviadas para as colónias, onde a vida é difícil e a morte certa; fala dos "olhos de Deus", a polícia secreta, e dos seus métodos; Defred fala especialmente de uma sua amiga de universidade que teve uma sorte diferente da sua. Tudo isto é contado em pequenos flashbacks, quando vêm a propósito, sem grande preocupação de ordem ou de tempo. Mas esta organização do texto não comprometeu a minha leitura.

“A História de uma Serva” é uma obra muito oportuna na conjuntura mundial atual, em que ideologias extremistas ganham terreno, nomeadamente aquelas de que o livro fala, embora o contexto seja diferente daquele em que o livro foi escrito. No entanto, muitos dos problemas apontados mantêm-se e agravaram-se mesmo. É de ler e meditar.

 

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